OTÁRIO À VISTA E NA CADERNETA
Sou um brasileiro tipicamente otário – otário de carteirinha.
Deixo-me envolver facilmente com as pessoas, mesmo nos negócios. Também, como se diz, desde o tempo da carochinha, dinheiro de bobo é matula de malandro.
Na cidade grande eu era assim também. Aprendi a ser fiel com todos que me exploravam.
Se eu bebia num boteco “copo sujo”, só ia naquele, todo dia; ficando até mais fácil da Dona Encrenca me achar. Também facilitava a volta trôpega ao lar.
Se eu comprava numa farmácia, as outras jamais me veriam. Acho que também era comodismo ou “tá mais perto”.
Isto também acontecia pra Posto de Combustível, bancas de feiras, lojas de departamentos, padarias, açougues e até concessionárias de veículos.
Não deve ser assim. Temos que ser vigilantes o tempo todo com o comércio que nos ronda. Muitos nos cercam e poucos nos amam.
Tem muita gente enriquecendo com preguiçosos distraídos e otários como eu. Fidelidade é algo de mão dupla.
Vim para o interior e não perdi esta mania de bater na mesma tecla, comodismo talvez ou excesso de confiança.
Posso dar como exemplo citando meu futuro ex-açougueiro, porque pode ser que ele me dê uma explicação palpável e convincente, o que parece impossível.
Quando morava na Capital Brasileira era obrigado a, vez por outra, visitar a terra prometida de minha aposentadoria por causa de alguns parentes, inclusive sogra. Minha volta era com isopores abarrotados de carne de vaca clandestina. Era uma delícia se comparadas com as congeladas dos grandes frigoríficos. Foi mais de uma década comprando do mesmo fornecedor. Povo da capital chega e compra, não licita. Otários!
Em fixando residência minha freguesia continuou, sob a modalidade interiorana muito difusa com o nome de caderneta.
Com o advento da fiscalização mais intensa, pra os ganhos não desabarem, o açougue virou também um misto de boteco e mercearia. A caderneta passou então a incluir outros itens não bovinos ou não suínos.
Sou do tipo de otário que não confere pesos, nem itens, nem somas, nem trocos, mas, por acaso, no dia do acerto, um pouco antes de rasgar a ficha, vi a quantia de vinte e quatro reais numa caixa de doze dessas que descem redondo. Não desceu... Fiquei pasmo, pois havia acabado de pagar a caderneta, de um supermercado de verdade, onde o mesmo item era vendido por dezessete reais.
Que descalabro! Um freguês traído pode trazer muito mais prejuízo que uma chifrada matrimonial.
Um freguês deve ser tratado como um patrão e amigo. Já parei de beber e posso até virar vegetariano por causa disso, mas não pretendo prosperar mais ninguém à custa de idiotices minhas.
Não digo que desta água não beberei, pois o mundo dá muitas voltas e, no interior, os olhos tudo veem, os passos são observados e não tem como se isolar.
O interior está globalizado no olho grande. Não é só o homem da carne não, pois meu pedreiro afilhado ainda não voltou pra terminar o serviço recebido. Os quarenta quilos de ração de postura em que paguei quarenta e oito reais encontravam-se, na esquina de cima, por trinta e seis. O feijão mais caro não cozinhou como esperado...
Pra dizer a verdade chego a ter saudades da capital indigesta.
Basta!
Não pergunte nada, vai me lendo que depois eu te conto.
6 comentários:
Amigo Aristeu,
me inclua aí, no seu time de otários: somos dois!!!
Depois dizem que o povo do interior é bobo. Bobo é quem acha isso.
Danilo
e quando sou encrenqueira me chamam de
grossa...... eh,otaria seria mais integro!!
Aristeu,
segui o conselho e dei um passeio no seu blog. Achei muito interessante, pois gosto bastante do que você escreve. Eu também sou uma otária incorrigivel e uma brasileira impressionada com os rumos da política neste nosso Brasil. Parabéns! O blog está começando muito bem. Um abraço.
Desde já me candidato a uma vaga de otário, daqueles mais otários.
Tem até um livro com este nome: vejam em
www.muzel.com.br/livro.aspx
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