segunda-feira, 11 de novembro de 2019

Aniversário do meu terceiro irmão



Novembro mais que azul

Eu vou. Não sei se serão sessenta e sete anos ou outra contagem recém-inaugurada, tendo em vista um novo tempo de um ressurgimento da maior dificuldade.
Somos nove irmãos. Todos dos mesmos pais de parcos recursos que nos garantiram muita luta nesta vida. Cada um com sua sina, seu potencial, seus arranjos, erros e acertos.
Sou o sétimo! Numa família bem pobre, os primeiros da ninhada poderão estar sujeitos às maiores peripécias da sobrevivência. Talvez, como bênção, sou dotado de um esquecimento e, quase a totalidade dos meus seis primordiais anos, só existem-me por narrativa de terceiros. O pouco que me aparece em tela, em pensamentos remotos, são como sonhos, não bons, mas que não me afetam os sentimentos.
Meu terceiro irmão me contou que morávamos de favor numa Vila Vicentina, vivendo da caridade alheia, no nosso torrão natal, torrou-nos quase fatal. Ainda bem que trabalhei sete anos ombreado com os vicentinos, em datas de abundância e, nada ou pouco devo, deste acolhimento que não há preço, mas muito apreço.
Fomos retirados daquela penúria, mas dispersos em busca de estabilidade financeira. Meu terceiro irmão, mais velho, mais rígido, muitas vezes fazia as vezes de nosso principal responsável e isto não era bom, afinal travessos e traquinas não aceitam correções nem dos próprios pais.
Meu terceiro irmão correu mundo e, mesmo distante, escrevia cartas, as mais lindas, e nossa mãe, as liam para nós. Era um português exagerado, em caligrafias espetaculares, para nossa mãe de pouco estudo. Encantavam-me estas missivas, ele dizia muito missivas, eu diria circular. Continham palavras rebuscadas de conforto e também alguma quantia para minha mãe arrumar os dentes, mas ela tirava da boca para dar aos filhos, literalmente. Minha mãe sempre repassou aos filhos, conforme seu senso de necessidade, os presentes a ela destinados.
Meu terceiro irmão, dentre tantas ousadias profissionais, furava o chão, fazia barro, moldava tijolos e erguia um amparo, ainda que rude aos sem-tetos.
Meu terceiro irmão, sonho meu para ainda dezenas de reencarnações, também desenhava com primor. Eram admiráveis os detalhes de cada imagem tão realista. Um dom imorredouro, creio.
Meu terceiro irmão era miúdo, ma sua tenacidade o fez transformar-se num forte. Não existia academia naquele tempo, mas alguns compêndios de reembolso postal o ensinara a se transformar num míster  de músculos acentuados. Fabricou seus aparelhos e cadenciava a respiração. A gente caçoava desdenhando aquele empenho gigantesco, criancice, ainda mais porque tinha uma alimentação precária, distante de uma alimentação de atleta. Modificações ocorreram porque onde há esforço, há recompensa.
Meu terceiro irmão andava empinado, altivo, soberano para qualquer revés da vida, até hoje, com louvor.
Meu terceiro irmão entrou no Exército e ali, na graduação de cabo, consolidou sua vocação militar que incentivou todos os outros irmãos.
Após o seu tempo militar, meu terceiro irmão entrou na Polícia Militar de Minas Gerais e chegou à graduação de subtenente, por coincidência a mesma graduação de outros três irmãos.
Ele constituiu uma grande famíla. Um dos seus filhos tornou-se muito próximo da minha família, um doce que não se acaba. Deus pôs, meu terceiro irmão, neste momento atual de grande luta, exatamente numa situação de apoio privilegiado, onde obtem todo o aparato de cuidados médicos e de enfermagem. Esta é a mais extraordinária missão de sua vida - expor com bastante fé, alegria e firmeza, a todos que, a vida deve ser exaltada de todas as formas. Teremos festa!
Alguém já disse que o soldado marcha sobre seu estômago e, o que presenciamos, é o grande soldado marchando sob o estandarte dum grande coração.
Obrigado, meu terceiro irmão que, direta ou indiretamente, fez-me tomar o gosto pelas letras ou consolidá-lo, e também pela farda.
Nosso fardo é leve quando o comandante é Cristo. Alimentemo-nos de luz.
Em frente!

sexta-feira, 20 de setembro de 2019

Já fui preto da cabeça aos pés!



TUDO PRA FAZER ROLHA?

Parei na rodovia para rever e fotografar este exemplar da flora do cerrado. Muitos chamam de Pau Santo, mas conheci como Gordinha e Malvinha. São cascudas e utilizadas na indústria da cortiça. Uma matéria prima de várias utilidades térmicas, mas que o matuto passava e perguntava pra gente:
"- É pra fazer rolha?"
"- Sim, pra tapar seu buraco."
A mesma pessoa passava várias vezes com a mesma pergunta, só pra alugar.
Em Araguari-MG, tinha uma empresa, de nome LUNASA, que incentivava autônomos a um extrativismo dessas espécies.
Fui convidado para trabalhar, nos idos de 1977, ainda garoto, neste tipo de serviço. Nosso profissão momentânea nos dava o nome de casqueiros. Nossa equipe de casqueiros era composta por quatro pessoas. Um era o Tõe, cortava e picava as árvores no machado. Dois, que eram eu e o Amador, carregávamos as madeiras para o local onde se lhes desnudavam. Quem descascava as peças era o Eurípedes. Tanto o Eurípedes quanto o Amador eram filhos do meu padrasto. O primeiro virou sargento da polícia em Uberlândia, com o nome de Vital e o segundo virou subtenente dos Bombeiros em Araguari, com o nome de Davi. O Tõe era sem família e era alguém que vivia junto com eles. Não batia muito bem da cachola e acabou suicidando.
Toda madeira ficava com o fazendeiro como pagamento da casca. A área da extração que trabalhamos eram em terras de Ipameri e Cristalina, de um lado da BR 040.
A LUNASA quase patrocinou a eliminação destas espécies, coisa que nem o fogo milenar conseguiu. Depois que elas queimam, por fora somente, ficam chamuscadas e nós, que as carregávamos, ficávamos pretos em último tom. Só cinza.
Em volta dos casqueiros se fazia um assero em proteção do material trabalhado.
A gente morava em barraca de lona e dormíamos em rede. Folga só nos domingos. Só jantávamos porque ira ficando muito distante da barraca. O banho era num açude de um córrego.
Foram três meses de trabalho para fazer uma carga de caminhão. Tínhamos que abrir estrada para o caminhão chegar nos nossos depósitos.
Esta Gordinha da beira da rodovia está sapecada, mas com uma flor exuberante tentando imitar o Ipê. Ela é muito fofa.
A técnica hoje , segundo soube, é tirar-lhe a casca com ela ainda de pé, não por dó, mas que, como uma ovelha, voltará a ser tosquiada, se o fogo não vier antes.