domingo, 9 de dezembro de 2012

Sopranzetti - A vida é um sopro...




NOVO ENDEREÇO E VELHA FÓRMULA

Eu tive um amigo sem igual. Deveria tê-lo observado mais, pois era digno de várias anotações que serviriam de exemplos sem fim, mas a gente tinha que trabalhar...
A sua imagem pessoal era inconfundível, típica de um italiano bonachão. Sua estatura era pouca, a careca era notável e a barriga, avantajada, garantia-lhe o apelido de Bolinha.
Era dono de um bar noturno onde, entre idas e vindas, devo ter trabalhado por uns três anos com ele.  Comecei trabalhando como faxineiro e fui seguindo carreira promissora dentro do estabelecimento e tornei-me balconista, garçon, pizzaiolo, cozinheiro... Ele reconhecia o valor de cada um. Nosso salário era semanal e consegui até instituir uma folga semanal para os funcionários, dada à importância que ele dava aos seus auxiliares, liderados por mim. Minha ascensão no trabalho até deu motivos de ciúmes num outro funcionário de mais de duas décadas, o Onofre, mas a família Lanches Corujão seguia com sua função gastronômica social – última porta aberta a qualquer desassossegado pela insônia.
A pizza era a mola mestra do Bar do Bolinha, mas como o Sr Walter Sopranzetti durante o dia era Secretário da Câmara Municipal, ele tinha dois pratos estupendos para seus clientes mais refinados, pessoal este que não faltava por ali, figurões de todo o topo da nossa direção municipal, inclusive, sua filha era afilhada de Osvaldo Pierucetti, ex-prefeito de Belo Horizonte.
As duas iguarias extras, servidas e preparadas sob o esmero do Bolinha eram o Filet à Parmegiana e o Filet Alho e Óleo. Eu aprendi a fazer e, o parmegiana é um sucesso total através dos tempos. Como o Professor Bolinha eu também o apronto só em ocasiões muito especiais.
O Bolinha, ex-dono de Papelaria, tinha uma caligrafia irretocável e, no trato com o preparo do filet demonstrava todo o seu capricho. Era um ritual de precisão e, na limpeza da carne, não acontecia nenhuma perda.
Uma de suas histórias, ele era cheio de histórias, que não consigo esquecer é do seu tempo de Livraria. Teve um vendedor que o procurou a manhã toda e não o encontrou. Aonde chegava o Bolinha já tinha saído. Cansado teve que pegar um almoço numa pensão. À mesa, nesta pensão, o vendedor teceu sua desventura, mais ou menos assim: “Eita cidade difícil, todo mundo conhece este tal de Walter Sopranzetti como Bolinha e eu não o encontro de jeito nenhum. Diacho, onde este miserável estará?” Todos riram, pois ao lado deste vendedor estava à mesa, sorridente entre dentes, a figurinha carimbada tão procurada. Que situação pra o vendedor!
O Bolinha tinha uma Variant TL e, religiosamente, ele, antes do amanhecer do dia, levava-nos, seus asseclas, em casa. Ele não buscava a gente, mas se algum faltasse ele ira atrás, pois a equipe era toda necessária. Durante meu tempo de Soldado do Exército, ganhando pouco, apesar de ser proibido ao recruta trabalhar fora do Quartel, eu fazia uns bicos por lá.  Trabalhava na cozinha ou no forno e não me expunha. Era meu dinheiro de sobrevida, pois o que ganhava como Conscrito só dava para pagar lavadeira e cigarro.
Bolinha era um notívago e, antes de qualquer negócio, o ex-bancário, conduzia o bar por puro prazer, eu acho que às vezes dava prejuízo.
O Bolinha era grande e o quadro dos frequentadores eram seletos, da mesma estirpe.
A Avenida Tiradentes não será mais endereço desta tradicional pizzaria. O Waltinho, quase imagem e semelhança do saudoso pai, muda-se, com o mesmo primor, para a esquina da Rua da Glória com Amapá.
Vou lá matar a saudade e comer bem. Vem.