sábado, 12 de novembro de 2011

A simples morte de um cão



MISSÃO DE SÉTIMO DIA

Quero confessar antecipadamente que chorei, choro e ainda chorarei a partida do meu amigo. Ele foi valente por demais, até pareceu que morreria de pé. Há mais de cinco anos que sofreu o primeiro infarto e, de lá pra cá, ininterruptamente, eu o medicava com enalapril, digoxina e furosomida. Colocava minha medicação junto com a dele para não esquecer de tomar a minha, pois a dele eu não esquecia. Ao final dos tempos ele estava mestre em não engolir a medicação então, para enganá-lo, eu dissolvia os comprimidos em uma seringa adicionando um xarope caseiro à base de mel, romã e guaco. Tal xarope contribuía para as mazelas ocasionadas pela tosse comprida de cachorro que ele tinha.
O coração dele era grande em todos os sentidos, encostava no esôfago e pulmão ocasionando engasgos sem fim. Na última noite ele já tossia sangue, muito sangue, e eu vi que nada mais podia ser feito, ainda mais numa pequena cidade sem recursos neste campo dos animais domésticos.
Ele não conseguia deitar, pois era acometido da falta de ar e mal se sustentava. Para tranqüilizá-lo um pouco, coisa que já havia feito antes, ministrei algumas gotinhas de neozine, meu remédio para dormir. Ele também gritava de dor, mas a novalgina não fazia mais efeito.
Depois de uma noite turbulenta, por volta das cinco da manhã, ele deitou e se aquietou. Eu que durante muito tempo espionava-lhe o sono não vi mais o peito inflar. Deu uma esticada na canela, mas foi a última.
No meu colchão, ao lado do dele,  ainda pude ver a “Maria Barriga” subir no corpo inerte dele. Maria Barriga é uma gatinha bebê, viralata e feia, que tirei da rua. Este nome é provisório e se refere ao tanto que ela come. Ele já não gostava mais de brincadeiras, especialmente da gatinha.
Skendal, o nome dele, já tinha sido expulso do nosso quarto pela “Milica”, outra viralata que tiramos da rua, na Vila Militar, por isto uma das causas do nome Milica, de milico, de militar. Ela batia nele certamente porque tossia e levantava muito a atrapalhando a dormir.
O nome Skendal era apenas mais um, pois ele atendia por vários nomes: Ken Ken, Kenka, Izi, Marelo... até cão peta. Skendal, originalmente, se refere a um personagem do antigo seriado televisivo intitulado de “Cobra”, interpretado pelo ator Michael Dudikoff, ídolo de minha consorte.
Meu Kenka, das orelhas enormes, também foi chamado de “Tô Pelado” embora fosse bastante peludo. Por causa de ter sido atropelado e ter saído sem danos à exceção de um escapelado na coxa.
O primeiro susto que tivemos com ele foi numa reação alérgica à vacina nacional. Ficou igual um buldog. Depois ele teve Erliquiose, além do tratamento veterinário, tive que dar-lhe bastante água de coco e ração batida com leite.
Eu desobedeci aos veterinários no quesito alimentação. Dei de tudo para meus cães. Sorvete, chocolate, churrasco e outras comidas de gente, pelo menos no almoço. Toda vez que vou à cidade grande trago um frango assado para que banqueteiem até os ossos. Dou ração à vontade e eles a comem provavelmente mais a noite.
O mal que isto traz é para a dentição, mas o Skendal, por exemplo, com dezessete anos, tinha todos os dentes. O único problema é que o odor era grande, pois depois de idoso não podíamos mais fazer limpeza de tártaro devido à anestesia.
O orelhudo, outro nome, foi adquirido numa compra de rua e, nesta época, eu ainda não amava cachorros. Minha esposa gostava de cachorro e meus filhos também, mas por morarmos em apartamento havia certa repulsa a este bem tão precioso. Resolvi atender os insistentes pedidos de meus filhos e, para dobrar a mãe, dei a ela como presente do dia das mães do ano de 1995. Assim não tinha como recusar. Era o filhote mais lindo do mundo!
O Skendal, lindo e gracioso, descia quatro vezes ao dia para sujar os gramados brasilienses. Ensinou a disciplina e o cumprimento das obrigações aos meus filhos que eram escalados ao passeio obrigatório. Meu filhote, mais dócil impossível, aproximava as pessoas da gente. Muitas crianças queriam passar a mão, inclusive de colo.
Ele, apesar de cercado de mimos, se sentia carente e fuçava a gente pedindo mais carinho.
Não gostava de gatos, nem cavalos e muito menos de estouro de foguetes, o que se faz muito no interior, infelizmente. Jogávamos um pedaço de pau para ele buscar e ele não devolvia.
Muitas vezes deixei de sair para não deixá-lo só. Quando a gente saia ele latia demais e incomodava a vizinhança de blocos. Tive que arrumar-lhe uma namorada, a Brighithe, outro amor de cadela, e assim ele ficou bem acompanhado. Também não convém que animal algum fique só.
Brighithe, uma Cocker Lata, faleceu precocemente aos treze anos, vitimada por cinomose que foi tardiamente detectada, além da falha nossa na data da vacinação. Estávamos envolvidos com nossa mudança e pagamos caro por isto. Ela sofreu durante um mês e também faleceu nos meus braços. A gente não acostuma com a morte nunca.
O Skendal foi vasequitomizado pra não emprenhar a Brighithe, mas ainda assim perturbava, pois muitos moradores do prédio optavam por cadelas e, quando tais entravam no cio, ele fazia um chororô sem fim, nem comia. Eu, seu mui amigo, tive que mandar castrá-lo. Ele, teimoso como sempre, ainda neste estado, conseguia a duras penas alguma monta ou apanhava da Brighithe por não conseguir.
Skendal adoecia quando eu viajava. No terceiro andar distinguia o barulho do meu carro. Quando o interfone tocava, ele ficava alegre e até abria a porta ao visitante, fosse quem fosse.
O Skendal ajudou-me a parar de fumar. O cachorro ficava o tempo todo atrás de mim e só se afastava quando eu acendia um cigarro. Um cachorro sabia que aquilo faia mal e eu não? Parei. Obrigado, Kenka, por isto também.
Mais duro que perder um amigo é cavar-lhe a sepultura. Eu vinha há muito tempo imaginando este momento, mas não diminuiu a dor. O “Nino”, o meu gato preto, encontrado na porta do cemitério, ainda fez uma festa na beira do túmulo. Não sei o que via, pois éramos assistidos apenas pelas galinhas poedeiras, aquelas que morrem sempre naturalmente e não vão para a panela. Acho que elas queriam apenas ciscar a terra fofa da cova, mas pus um pedaço de pneu de trator em cima.
O espólio do Skendal vai para o “Pêpo”, nosso cãozinho tirado do bueiro. O colchão do Pêpo vai pra “Maria Barriga”. A coleira surrada de tantos passeios terá que esperar o Pêpo crescer. A caixinha de remédios fica comigo mesmo.
Chega de prosa. Chega de lágrimas. Skendal era alegria.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011



ITAMAR – PAI DO LEONTINO

Sr Itamar, muito obrigado pelo incentivo desinteressado, meu eterno e admirável fã desconhecido. Nunca tive pretensões gráficas sobre meus escritos diversificados entre crônicas e poemas, mas quis o Boníssimo que minhas palavras viajassem ao vento na velocidade da luz.
Debrucei-me sobre tal ofício sempre com o intuito de uma autoterapia ocupacional desde os tempos escolares onde galguei alguns prêmios como recompensa extra.
Cada palavra escrita nascia também com muita preocupação devido às repercussões. Acredito ter feito desafetos por alguma opinião emitida, pelo menos uns poucos se manifestaram ofensivamente. Possibilitou-me então uma acurada autocensura de idéias, porém não o tempo todo devido minha mente rebelde.
Escolhi a internet para divulgação de minhas crônicas, primeiro em blogs de amigos e depois no meu, denominado “Doença Crônica” que, atendendo sugestão do amigo Natal Fernando, troquei para “Crônica do meu Interior”. A minha eco-intenção de não imprimir alguma obra foi por água abaixo, pois meus leitores já imprimiram quase 30.000 folhas do meu Blog. Só na Rússia fui acessado por quarenta internautas e, no Brasil, quase 20.000.
Tenho um fã recíproco na nossa capital brasileira que, no princípio, a cada modesta crônica internética minha, ele imprimia e ofertava ao colega de trabalho Leontino. O Leontino, por sua vez, levava tal papel ao seu pai, Sr Itamar. Nesta corrente de bem-querer seu Itamar era o leitor de ponta mais exigente. Seu Itamar cobrava do filho os meus escritos, pedido este que repercutia em mim. Muitas vezes seu Itamar era a força suficiente para me impulsionar em mais uma crônica, só de ele ler teria valido a pena a produção literária. Itamar foi durante tempo o meu objetivo, mas, por ele, atingi até a Feira de Literatura Internacional de Parati.
Não conheci Seu Itamar pessoalmente, mas sabia do seu vasto conhecimento da Língua Portuguesa e a paixão pela leitura. Minha qualidade foi pressionada e ocasionando assim menores erros. Sempre imaginei Seu Itamar, homem criterioso, numa cadeira de balanço em uma varanda de veraneio. Ele sabia mais de mim, pois minhas crônicas, antes de utópicas, é um retrato falado da alma do autor. Nunca soube quais assuntos de maior afinidade, mas queria sempre proporcionar algum prazer no Pai do Leontino.
O filho Leontino eu conheci. É um funcionário público probo técnico-intelectual assíduo, mas com linguagem simples. Um companheiro de trabalho que, por trás de um par de óculos sisudo, distribui soluções do cotidiano de um tribunal de contas de um país corrupto. Leontino, independente de ter sido um menino de recados entre eu e o pai, goza por todo o sempre de minha simpatia, inclusive por ter adquirido uma ninhada de cães e distribuído a pessoas de seu afeto como presente. Eu fui encarregado de comprar estes filhotes de Cocker Speniel, a raça que “estuprou” meu coração e implantou caninos na minha doce rotina nesta passagem terrena.
Recebi contrito a notícia do passamento do Seu Itamar na mesma semana que meu Cocker, aos dezessete anos, também faleceu. Ambos lutaram pela vida com muito ardor. Eu tenho uma teoria de onde os mesmos estão me aguardando ou me assistindo e intuindo. Acredito que agora estão a ler as minhas crônicas direto no meu pensamento, antes mesmo de formalizadas.
Talvez minha inspiração tenha diminuído, mas meu fã recíproco quer patrocinar a edição de uma obra minha com um milheiro de tiragem. Não sei se farei este “entre-capas”, mas se o fizer antecipo que no meu agradecimento configurará seu Itamar, meu leitor desconhecido.
Leontino, não desista das minhas crônicas que sempre te lembrarão daquele que você conhecia e talvez amasse mais do que ninguém