domingo, 8 de agosto de 2010

Maré braba!


Combatente Internético Off-line

Às vezes a gente sai de cena e o espetáculo muda de palco, de gênero e, de autores, passamos às vias de vitimados. A mente se perturba e voltamos ao mundo dos seres normais, problemáticos, frágeis e, o mais duro, reais.
Numa bela manhã, princípio dos fatos, mesmo não acreditando em astrologia, a gente se lê no horóscopo. Dá uma risadinha quando o número da sorte é treze e a cor do dia o vermelho sangue. Sai de retro, Satanás! Mas não sai: É apenas o começo do raiar de uma desesperança mal acompanhada.
O dente dói – o plano não cobre, o ciático ataca toda a parte anterior e posterior abaixo do umbigo e ainda não se tem como recusar um convite para ajudar como servente de pedreiro em obra sem fim.
Os amortecedores da tampa traseira relaxam e repousam a tampa sobre a nossa cabeça com a força de uma guilhotina sem corte. O farol queima em plena escuridão sem lua.
Os Correios extraviam encomenda. A conta telefônica vem superfaturada e o melhor é pagar que chegar até o fim com a reclamação – um caminho sem volta.
Ainda bem que o caroço do pescoço do filho, chamado de cisto branquial, não é maligno, mas cresce sufocando a carótida e jugular. A esperança de intervenção cirúrgica reside no SUS. Durma com um barulho desses.
O cão velho, fiel até o fim, tremula para partir. A cadela ex-sorrateira agoniza em pós-cirúrgico piométrico.
A esposa insone, último baluarte e esteio, acumula mais dores na casa dos horrores.
A campainha toca e não é visita – É o oficial de Justiça cobrando fiança no salário minguado que deveria sim ser complementado. Tal fiança, dada em aluguel a um ex-amigo, sumido para a Justiça, há mais de uma década, deveria servir de exemplo ao, cada vez mais mortal, que o próximo vale tão quanto o afastado.
Qualquer gigante tomba. Preciso de socorro em terra, céus e mares.
Fui.
Oh! Minas Gerais! Eu só voto 3193 dos federais.
Porque é bom... beiro, ficha limpa e herói!

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Eu e minha sogra



Uma professora de matéria alternativa, parece-me que "Contos e crendices populares", veio com a turminha à casa de minha sogra pra entrevistá-la a respeito de estórias que longe vão e que corriam por Goiandira. A professora ficou encantada e pediu-me pra escrever um texto que complementasse a entrevista com o seguinte título: Quem é dona Zenira?

Quem é dona Zenira?

- Para o falecido marido: Aquela que concluiria a missão.
- Para a filha mais velha: Tapa de amor que doía.
- Para a mãe Zulmira: A mais bela flor do jardim.
- Para o pai Manoel Bento: Uma filha como os demais, pois este não fazia distinção.
- Para a filha mais nova: A cruz necessária e sob medida que balançou o berço.
- Para o filho mais velho: A velha que lhe fez duro.
- Para o filho caçula: Aquela que Deus conserve e abençoa!
- Para os médicos: A que tem saúde pra dar e vender.
- Para a Rádio Terra Branca: A certeza de estar sendo ouvida.
- Para o neto mais velho: É a velha mão carinhosa.
- Para a bisneta distante: Uma ilustre desconhecida.
- Para a única neta: O bom conselho e o ombro.
- Para o neto mais novo: Um poço de histórias onde seus porquês têm respostas.
- Para a democracia: Uma dispensada insistente, devota do voto.
- Para os vizinhos: Aquela que não incomoda...
- Para as noras: De longe também se ama.
- Para o INSS: Ainda vive?
- Para o fornecedor: Osso duro de roer, paladar exigente e boa demais em conta.
- Para o prefeito: Eleitora que incomoda cobrando empenho durante todo o mandato.
- Para os bailes de outrora: A melhor costureira!
- Pra comunhão de domingo: O cântico mais lindo.
- Pra cadelinha Nira: “O vovó” a defender.
- Pra o sol que brilha: Alguém que sempre se aquece.
- Para o estômago pontual: Um fim na fundura.
- Ao Banco do Brasil: A fiel depositária.
- Para o telefone: Memória e tato ágeis que a transporta a todos os rincões.
- Para o genro, no caso eu: Nada a inventariar... e os textos abaixo:


Não é ponto final, mas reticências...
Aquela que fica, mas vai...
Não enxerga, mas vê...
Tropeça e não cai...
Cozinha e come...
Deita e não dorme...
Levanta e sonha...
Xinga e Abençoa...
Chora e sorri...
Fala calada...
Néga e ponto...
Se mata de viver...


AS DEFICIÊNCIAS

Normalmente o sentimento despertado ao nos depararmos com alguém deficiente é o dó. Em nossa longa formação, através dos tempos, a compaixão e a aversão por aleijados está alijada em nosso consciente social. Numa simples observação pode se afirmar categoricamente que os conceitos que cercam tais vítimas são incorretos. Primeiro que deficiente não é termo digno, pois a maioria de tais seres humanos são dotados de uma capacidade de superação sem tamanho. Eles deveriam ser cognominados “super eficientes”, pois a falta ou paralisia de um ou mais membros ou surdez associada à mudez ou até cegueira não são obstáculos para os mesmos. Pela carência são desenvolvidas, além da normalidade, outros membros ou sentidos. Você, que se enquadra nos normais, ou seja, eficiente, tente fechar os olhos e caminhar durante um só minuto em linha reta numa calçada comprida, larga e sem buracos, como experiência. Tenho certeza que sua sensação vivida nesta experiência pode muito bem demonstrar o que tento transmitir através de poucas palavras. Já que não é nada fácil vamos diminuir o máximo possível o esforço desprendido por todos estes que assim são para que o amor seja vivido em forma de cooperação, afinal, precisamos muito do poder de concentração dos mesmos voltados para solução de problemas maiores frente aos quais somos totalmente incapacitados.
Este pedacinho é dedicado à minha sogra, Dona Zenira, pois a mesma ficou cega devido a males como a catarata e glaucoma. Poderia ter sido evitada a cegueira se ela, como quase todas as pessoas mais antigas, não relutasse tanto em procurar os médicos. Começa com uma dorzinha qualquer e de repente alguns chazinhos poderão resolver. Quando se dá conta o mal é de uma enormidade que não há qualquer tipo de intervenção que possa resolver. Aconteceu esta incapacidade já mais próximo da velhice e não foi tão desastrosa, pois foi possível deixar todos os filhos encaminhados – esta é a grande preocupação do pessoal das antigas. É dura a cegueira para uma pessoa que ganhou a vida dependendo totalmente dos olhos. Minha sogra foi costureira de mão cheia, daquelas que tinham que criar o modelito e realizar a combinação de cores. De vez em quando fica ranzinza, mas qualquer velho fica assim. O objeto que mais a auxilia é o rádio. Através do rádio ela enxerga o mundo muito além do seu redor. Conhece e canta muito bem todas as músicas. As notícias são muito mais apreciadas por ela que por qualquer outra pessoa. Se mudou a data do pagamento dos funcionários do estado é só perguntar que ela sabe. Se não fosse o pouco tempo de estudos acredito que a mesma poderia compreender muito bem os noticiários de economia, mas mesmo assim conhece as opiniões dos jornalistas que se aproximam de sua linguagem. De vez em quando absorve uma notícia incompreensível para ela e me pergunta de que se trata. Procuro sempre “suavizar” os impactos de qualquer medida governamental, pois ela é muito preocupada com os dois salários mínimos que recebe, um da aposentadoria e outro da pensão deixada pelo sogrão, mas muito cedo ela acaba confirmando que as medidas de qualquer governo são sempre contra a maioria, mas continua crédula e confiante em minhas explicações.
Tenho convicção que tais problemas ainda nos cercam para que nos dediquemos com grandeza àqueles que nunca foram pequenos.