quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Padrofilia


A RELAÇÃO ÍNTIMA ENTRE UM PADRE PEDÓFILO E EU CRIANÇA

Na década de setenta, um dos bairros mais distantes do centro de Araguari era o Bairro Paraíso. Talvez por este motivo a cadeia pública tenha se transferido para aquelas imediações. Por pura ironia o inferno e o paraíso tornaram-se confrontantes.
Meu terceiro irmão, na escala descendente dos mais velhos, era então terceiro sargento da Polícia Militar e tirava serviço naquele centro de reclusão. Eu, pra não fugir à regra, era o garoto das pernas ligeiras ideal para levar-lhe o almoço na marmita ainda bem quente.
No cumprimento desta tarefa era costumeiro atender alguns pedidos dos presos, em geral levando-lhes cigarros, sabonetes, pasta dental ou doces. Eram esquisitos no começo, mas acabei acostumando-me àqueles seres humanos de baixa escala. Normalmente desfilavam pelas celas sem camisas mostrando o corpo tatuado, naquele tempo era sinal de periculosidade máxima.
O ambiente era desagradável à visão e também para o olfato de qualquer um. Na necessidade de serem atendidos tornavam-se amáveis, dóceis e educados, embora uns amedrontassem sob qualquer candura. Animais enjaulados que aprendiam a odiar ainda mais. Poucos ali não eram tão culpados.
Meu segundo irmão, sempre que possível, se embebeda e, naquela época, era um alcoólatra que aprontava muito. Aproveitando da posição ocupada pelo terceiro filho, minha mãe mandou prender o irmão cachaceiro com a intenção de forçá-lo a abandonar a bebida. Moral da história: Assim que ficou sóbrio, entre quatro paredes, nada bobo, patrocinou uma fuga espetacular. Utilizando-se de um cano que quebrou da tubulação d'água e, molhando a parede com o líquido do vaso sanitário, fez lum buraco apertado na parede onde passou boi passou boiada. Ainda lembro-me dos arranhões sangrentos que ele carregava pelo corpo devido à passagem apertada pelo buraco salvador. Presos condenados também se evadiram e só não consigo me lembrar de como o irmão sargento tenha pagado o pato.
Na cadeia pública de Araguari havia um preso de bom comportamento que circulava à solta pelas dependências. Fazia faxina no local e tinha um sorriso largo, apesar de um olhar sempre pra baixo. O nome dele era Bernardo Feitosa Soares, um padre da Igreja Brasileira condenado por pedofilia, embora naquela época tivesse tal crime outro nome e nem fosse assim tão hediondo. Conversei muito com ele e realmente era bem cativante. Lembro-me que ele disse ter assumido a culpa para poupar o bispo, o verdadeiro culpado. Ele escrevia coisas muito bonitas e trocávamos correspondências. Incentivou-me a escrever e ofertou-me um baú cheio de livros, uma mini-biblioteca que eu e as traças devoramos. Ele escrevia em papel de cigarro, coisa que não faltava por ali. Era uma letra pequena e bem desenhada. Graças a ele escrevi, naquele tempo, o seguinte pensamento: Este mundo de hoje é tão cão e medíocre que cada flor tem um espinho, cada sorriso é um disfarce e atrás das grades há um padre.
Até hoje fico pensando neste pecador que cumpriu pena no Paraíso e da relação que tivemos penetrante por toda a vida.

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