MEU DENTISTA É ELA
Tenho pesquisado entre conhecidos meu a opinião dos mesmos sobre o desempenho das odontólogas na última década, afinal a proliferação das mesmas tem sido bastante intensificada. É verdade que minha amostra não é de uma harmonia geral, pois não a classifiquei por faixa etária, cultural e tantos outros critérios definidores de uma estatística da verdade, mas devido a uma opinião unânime posso afirmar que, excetuando uns poucos, o resto pode mudar de profissão. Para se ter uma idéia eu odiava os dentistas e agora já está virando um caso de amor. As mulheres são por natureza carinhosas e com carinho agente deixa até furar os olhos. Viva as mulheres.
Devido a alguns traumas provocados por aqueles estúpidos, independente de sexo, ainda tenho certo receio de qualquer um que utilize a broca infernal. Este apelido foi dado ao motor de alta rotação pelo Sílvio. Sílvio era meu colega de infância. Certa vez foi criado pela Prefeitura de Araguari um Gabinete Odontológico dentro de uma Kombi com finalidade de percorrer a periferia da cidade e prestar um atendimento aos menos favorecidos. É lógico que se tratava de dentistas novatos, mas quando a Kombi branquinha, com aqueles doutores simpáticos estacionou na nossa rua, foi uma curiosidade enorme. Em poucos minutos, atendendo aos pedidos gentis, formamos uma fila gigantesca para atendimento. O primeiro da fila era o Sílvio. Ele era o mais esperto e, em termos de dentição o mais necessitado. Os dentistas se pudessem, liberariam o restante, pois o Sílvio iria consumir todo o tempo. Em dois tempos o Sílvio já estava na cadeira-cama. Os olhos curiosos corriam por todo o interior do consultório ambulante. Mexe daqui, mexe dali e finalmente o motorzinho de alta começa a querer desbravar aquela boca intocável por pastas dentais acopladas às escovas Tek (só existia esta) e muito menos palitos. Fio dental também era desconhecido. Naquela boca só mesmo comida, bebida e muitos beijos das meninas – dizia ele. Essa comida, entende-se que, em sua maioria, resumia-se a doces, refrigerantes e pipoca. Como uma criança carente conseguia estas guloseimas é outra história. Resumindo, no zumbido da perfuratriz, os olhos quase saíram da órbita e quando houve a penetração no caquinho de dente a reação foi inesperada. Sílvio se livrou do malfeitor e, após um berro, saiu em disparada. A fila inteira desapareceu atrás dele. Por todos os bairros vizinhos a Kombi carrasca era desprezada e até apedrejada. Não sei se o magnífico projeto dera certo em alguma outra parte da cidade, mas ali foi dizimado e se alguém pretendia angariar votos se deu mal.
Nas escolas éramos bem esclarecidos a respeito da referida profilaxia, mas nossos pais não nos cobravam nada – criança tem que encher o saco para escovação, está provado cientificamente - além do que seria um item a mais na caderneta do armazém. A cultura de banguelas, por eles vivida, provava que não é preocupante o fato, pois todos são banguelas e nos países dos banguelas quem tinha dente era rei.
Até hoje não sou chegado nos dentistas e não é por trauma de infância somente, mas traumas vividos em todas as fases de minha vida. Traumas de periodontia, aquele lugar onde há choro e ranger de dentes de período em período. Traumas de endodontia. Traumas de doendontia. Enfim, traumadentologia.
Há pouco tempo vi o Sílvio. O danado tem filhos banguelas com várias mulheres banguelas e na minha hiprótese são dentes falsos que o alimenta, pois ainda hoje é mais fácil, para os prefeitos, distribuir dentaduras, pois a dita dura muito e sempre traz à lembrança do miserável quem o acudiu nesta necessidade. A boca da urna parece banguela, mas morde e dói.
0 comentários:
Postar um comentário