PESADELO DE BARRIGA CHEIA
Hoje, do alto das minhas conquistas, parcas, mas significativas, posso olhar meu passado com orgulho. Era muita miséria, pé no chão, salário mínimo como o máximo, porém com o sorriso amarelo e com gargalhadas cariadas.
A uma criança nenhuma dessas dificuldades pesa. Ela continua saltitante e brincalhona. Valores sociais e de casta não lhes são parâmetros.
No horário do almoço a fome era ferrenha e quase sempre o “Feijão com Arroz” era tudo que corria para dentro do prato esmaltado. Ainda ouviam-se as recomendações maternas: “- O feijão é só pra tingir o arroz!” Como ouvi esta frase e pra tingir mais meu arroz eu colocava o feijão por cima. Tática pra não ficar nem um pouquinho de cor do feijão no prato, apesar de quê, nesta época, a gente lambia os pratos.
A abóbora e o chuchu, de vez em quando, mergulhavam nas panelas de ferros em companhia da carne moída de segunda. O fogão era à lenha e tal combustível era buscado no cerrado. Pra gente o cerrado não tinha dono, mas vez por outra tínhamos que correr de agressões como tiros de sal. Qualquer pessoa tinha arma de fogo e qualquer criança fumava.
Lembro-me de uma casa que moramos que foi feita de adobe ou taipa, chamado por nós de “adobro”. Nós mesmos fizemos os adobes com o barro de um buraco no fundo do quintal. Tal buraco virava cisterna ou privada. Nas cisternas a gente usava sarilhos e baldes pra buscar a água do subsolo. Alguns privilegiados tinham bomba manual. Estes mesmos metidos a chiques chamavam a “casinha” de latrina.
A escola era pública e notória de boa.
A respeito da alimentação, ainda recordo-me de frases amedrontadoras: “Não pode comer manga verde com sal”, inclusive um colega meu morreu depois de comer isto; “Não pode beber leite com manga”... Era pouca coisa que tínhamos para comer e ainda tolhidos por alguns folclores do tempo da escravidão. Tanto escravos quanto crianças são gafanhotos indomáveis que precisam de um psicológico para frear o apetite.
Pra comer menos no jantar, chamado de janta, os mais velhos vinham com estórias de pesadelo. O pesadelo foi me traduzido como uma velha gorda que, durante o nosso sono, sentava nas nossas barrigas.
Outro dia, teclando no MSN com o Marcos, disse-lhe, em tom de brincadeira, que, caso não sonhasse com ele, não teria valido a pena dormir. Ele afrontou-me dizendo que, caso isto acontecesse, seria um pesadelo. Retruquei-lhe: - Pesadelo como, se seria eu quem estaria por cima?
Pediu-me melhores explicações, o que gerou este relato, ufa!
Metaforicamente estava referindo a mim gordo sentado na barriga dele... Estes são meus sonhos, desde a tenra idade, pra não deixar fugir de mim as pessoas que amo, mas pra eles um pesadelo.
1 comentários:
Freddy krueger...
Esse sim foi meu terror...rsrsrs
Até hj me apavoro se alguem arranha minha janela
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