sábado, 25 de julho de 2009

Trem bão


AVENTURA FERROVIÁRIA I

Existe um fascínio indescritível do ser humano com a máquina que se locomove. O trem-de-ferro, o comboio e a locomotiva são nomes impregnados na história do progresso humano. Este ideário, no Brasil, é deixado de lado devido ao fato de ser um investimento em longo prazo, ou seja, sem frutos imediatos nas urnas políticas republicanas.

Existem bochichos e projetos de trem-bala saindo de São Paulo com destino ao Rio e de Goiânia a Brasília, dentre outros, mas, reforço a idéia conclusiva, de inviáveis sob a ótica da política imediatista. Talvez esta missão gloriosa devesse estar a cargo na iniciativa privada, como nos tempos das Indústrias Reunidas Matarazzo, pertencentes ao maior industrial brasiliano de todos os tempos – O Conde Francesco.

O leito de uma ferrovia caleja mãos e almas – uma aventura sem preço! Nos dias atuais existem máquinas que facilitam a mão-de-obra, mas ainda assim o suor e a força humana é a “mão na roda” da composição férrea.

Seu Manoel Gomes da Silva, também conhecido por Manenico em toda a Goiandira, é meu vizinho com apenas 81 anos. É aposentado da Rede Ferroviária e foi despejado certamente no INSS, pois recebe apenas o Salário Mínimo vigente. À época dele, 1968 – 1977, ainda era Ferrovia Centro Oeste. Aposentou-se por invalidez, mas deveria ter sido por acidente de trabalho, coisa feita de encomenda por médicos patronais. No início da aposentadoria, mesmo desvirtuada, ganhava cerca de quatro salários mínimos e, hoje, às vezes, devido às constantes perdas, mal sequer chega a um.

Sua patente de servidor braçal com a Companhia, chamada Turma, era das mais baixas, mas a equipe era muito unida, apesar de certos gerentes chamados de feitores.

O tipo atlético do Seu Manoel não é avantajado, muito ao contrário, mas o esquelético idoso, até hoje, ainda labuta nos afazeres hortigranjeiros para complementação de salário. Quando ele passa na rua, uma íngrime subida, com o carrinho-de-mão repleto de folhagens da horta, eu ainda brinco com o mesmo: - Bom dia, Manoel da Erva!

Ele ainda trabalha com assentamento de tijolos e outras façanhas da construção civil. Trabalha com uma calma danada como se tivesse todo o tempo do mundo pela frente. Ele demonstra uma postura ligeiramente corcunda certamente alcançada devido aos pesos que a vida lhe impõe.

Um homem de pouco estudo, mas de uma sabedoria extraterrestre, oriunda mais precisamente do mais alto dos céus.

O barulho constante de apitos e do balançar dos vagões que estremecem sua morada, servem de acalanto para sua nostalgia e ainda sentir-se em plena atividade férrea.

Ele contou-me de acidentes muito sérios que ocorriam com freqüência. Teve um em que certo ônibus, oriundo de Patos de Minas com destino à Romaria de Água Suja, chocou-se com a máquina e todos os passageiros rodoviários morreram. No trem morreu o maquinista com o tombamento da cabeça da composição enquanto o Auxiliar enlouquecido correu mata adentro.

Um outro acidente relatado-me parece mais uma mentira deslavada, mas a sobriedade do mesmo não nos permite tal elocubração. Trata-se de um boi que iniciou carreira à frente da máquina em movimento e, num aterro em curva, ele caiu com os chifres na linha, o que foi suficiente para desequilibrar e tombar o cavalo-de-ferro. Houve novamente morte da tripulação retorcida contra apenas a amputação do chifre bovino.

Embora evangélico assíduo dos dias de hoje, Seu Manoel conta que, a pedido e devido pagamento da Companhia, uma comitiva de padres e freiras percorreram toda a rede ferroviária celebrando missas. As missas aconteciam onde houvesse trabalhadores ou moradores. A ordem da empresa era que na passagem da comitiva católica se retirassem os chapéus e sustentassem as ferramentas.

A missão de missas estendeu-se de Belo Horizonte até Goiânia. Após tais missas os acidentes desapareceram.

Eu cheguei a viajar com trem de passageiros, principalmente o Bandeirantes que saía de Brasília com destino a São Paulo, mas eu apeava em Araguari.

Tenho certeza de que, num futuro distante, as vias nacionais e, até mesmo urbanas, serão compostas de trilhos ou cabos de sustentação ou de outra forma magnética e carismática, onde escoarão pessoas, bens e serviços, pois a aventura ferroviária não pode acabar.

Tuiú, xeque, xeque, xeque, tuiú, xeque, xeque, xeque, tuiú...

1 comentários:

natal fernando disse...

Engraçado, nessa época do seu Manoel também trabalhou na RFFSA o meu avô com o mesmo nome deçe Manoel Marques Póvoa, com apelido de Maneco. Era chefe de estação, morava em Araguari e viajava sempre para essa cidade. Quando era vivo me contou histórias de alguns acidentes no caminho e algumas vezes vi suas lágrimas lembrando das situações das quais sobreviveu por milagre de Deus. Mas o caso revelado me parece haver alguma injustiça já que a RFFSA poderia estar protejendo esse funcionário nessa atual situação.

Postar um comentário