sexta-feira, 3 de julho de 2009

FEMAL - ISTO SIM


EU TAMBÉM FUGI DA FEBEM

Há cerca de trinta anos minha família era muito carente. A melhoria de nossos destinos se deu porque o palco dos acontecimentos era uma cidade do interior mineiro. Pobre em cidade grande não tem chance alguma, a luta é por demais desigual. Meu pai era assalariado mínimo da Prefeitura e a estratégia involuntária da sobrevivência foi a escadinha filial. Nove filhos, com o intervalo médio de dois anos, colocava a mais velha com dezesseis anos. Com esta idade era a segunda mãe de nós menorzinhos. O de quatorze e doze já biscateavam para complementar o orçamento. Para nossos pais nos bastava a 4a série primária. A escolaridade necessária era aquela que nos possibilitava a saber ler e escrever, bem como realizar as quatro operações básicas da matemática. Apesar de ser o sétimo, ou seja, todos acima estavam “criados” e os abaixo se equiparavam a mesma idade que eu, tive muita responsabilidade para com os demais. Uns eram mais velhos e ficavam sempre desempregados. Outros foram “carregados” por parentes para que os servissem em troca de uma “criação melhor”. Não resisti ficar só com o primário, afinal as professoras viviam me elogiando, apesar dos pés nus e banho mal tomado. Me comprometi com minha mãe que arranjaria uma féria suficiente em apenas meio período. Se fosse época de chuchu, enchia as bacias e saía cidade afora vendendo. Estrume de cavalo também era por mim recolhido, pois é precioso adubo de hortaliças que também eram vendidas. Ferro velho, garrafas, alumínio e cobre eram difíceis, pois havia muita concorrência. Aos sábados e domingos ajudava meu tio como barraqueiro na feira livre. Com ele garantia uma cesta de hortifrutigranjeiros para a semana. Quando as oportunidades zeravam, apanhava uma caixa-de-engraxate e ia a luta. A rodoviária, o Mercado Municipal e a Praça principal eram os melhores pontos. Quando a gente agradava um freguês, eles nos permaneciam fiéis. Muito feio e muito vivo sempre chamei a atenção ou despertei dó.
Um belo dia fui abordado por umas senhoras bem perfumadas e falantes. Me encheram de perguntas e anotavam minhas respostas. Disseram que estavam me cadastrando para o programa de menores carentes para a Fundação Nacional do Bem Estar do Menor e que iriam visitar meus pais. Quando estiveram na nossa casa ficaram impressionadas com nossa simplicidade e nos anunciaram que eu estava aprovado para a implantação do projeto da FEBEM na cidade. O fato de estar estudando ajudou bastante. O que fizeram a mim e outros engraxates?
l. Nos deram um uniforme de pano grosso com um enorme emblema da entidade nos identificando. Era muito quente e não podíamos tirar sequer o boné.
2. Nos calçaram tirando nossa mobilidade e a caixa padrão era muito pesada.
3. Todo santo dia nos davam aula de higiene, saúde, moral e cívica e tudo que a gente detestava.
4. Dividiram-nos por setores da cidade e um caminhão de recomendações.
Estas instruções tomavam muito nosso tempo. Não podíamos invadir a área do outro. Não podíamos enganar porteiros e adentrar aos prédios em busca de sapatos sujos. Só com permissão, ora bolas, eles nunca davam. As pessoas viam-nos arrumadinhos e não nos deixavam engraxar, porque achavam que já estávamos encaminhados pelo Governo. Nas vesperais dos cinemas, se quiséssemos assistir aos filmes, mesmo pagando, não podíamos. Tínhamos que ser exemplos de trabalho. Sentar na praça e ouvir estorinhas de discos, andar pela grama ou subir em árvores era impossível. Todo cidadão era fiscal do que fazíamos, pois a Rádio falava coisas da gente. Andei ganhando pouco e acabei fugindo daquela FEBEM, porque acabaria tendo que sair da escola.
Aquela FEBEM em regime aberto era muito rigorosa. Hoje, as de regime fechado, nos vêm aos olhos umas barbáries. A criança é o símbolo da liberdade. A criança deve ter um mundo como opção. No interior dos estados a FEBEM, como externato, tem realizado bom trabalho. Nas cidades grandes só mesmo grandes fazendas, bem boladas, poderão conter essas pombas presas às asas da liberdade. A seleção de quem cuidará das crianças tem que ser cuidadosa e tal critério deve ser o mérito de ser pai e ser mãe, pois são dessas figuras que eles carecem, mesmo tendo-os. Temos que libertá-los pois, muitos, são reféns da desgraça ocasionada por sistemas criados por nós mesmos. Ademais se criança nascesse para ficar presa, o melhor seria ficar na barriga da mãe. Existe um projeto particular para coroar minha existência neste planeta. É um sonho que remota minha própria vida. Quero construir um lugar aos desvalidos com o nome de “VINDE A MIM AS CRIANCINHAS”. Pelo menos nome já tem e não foi dado por mim.

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