AVENTURA FERROVIÁRIA II
O Manenico, da aventura anterior, antes mesmo de pertencer ao quadro da Ferrovia Centro-Oeste, já trabalhava em empresa contratada por ela nas bandas de Patrocínio. Foi, como tantos brasileiros, passageiro do famoso “trenzinho da alegria”.
Assim que aconteceu o término dos trabalhos locais foram submetidos a um teste para que alguns se efetivassem à Rede Ferroviária. Ele, de real capacitação, foi contemplado com uma das vagas.
Casado e residente em Três Ranchos foi retirado do convívio da família e levado ao pelotão de uma Turma em Goiandira.
Trabalhou como cozinheiro, entalhador de dormentes e colocando cabos em ferramentas, além de afiá-las.
Como entalhador de dormentes, em Arapiraca, feriu-se no pé com a enxó, ferramenta madeiro-cortante, e o sangue jorrou incontinenti, o que tornou uma atração, todos queriam vê-lo, à exceção do Mestre-de-Linha que não podia ver sangue. O automotriz, sonho de consumo das crianças da minha época, deu-lhe socorro e transporte devido até Araguari, onde foi suturado e ficou internado.
A maior referência nos trechos de uma ferrovia são os cortes no terreno. Ele também trabalhou no trecho compreendido entre o Corte 28 até a Ponte de Anhanguera, bem como no trecho de remodelação do Corte 81, próximo a Cumari.
Esta mesma Ponte de Anhanguera, quando eu era Cabo Aluno do Curso de Sargentos do 2º Batalhão Ferroviário, serviu-me de objeto para cálculos de explosivos. Sei que algo edificado em muitos anos, suor e sangue pra ser construído, com alguns petardos de 100 gramas de TNT ruiria completamente em questão de segundos.
Natal Fernando da Silva, neto do Ferroviário Manoel Marques Povoa, Chefe de Estação em Araguari, o Maneco, contemporâneo de Manenico, achou uma covardia o que fizeram a respeito da aposentadoria de Manenico, mas injustiças também ocorriam àqueles homens unidos e de caráter moldado no sol a pino e força bruta.
Manenico não se lembra do Maneco, mas algo previsível, pois durante muito tempo foi acometido de amnésia parcial, devido a um acidente no trecho com uma pancada de uma pesada alavanca na cabeça. Dr Nidevaldo, o médico que atuava à época em um posto do INSS de Ipameri, após mais de dois anos de encostamento de Manenico, fez o laudo em que o trabalhador foi prejudicado. Em vez de invalidez, caso se colocasse acidente de trabalho, sua renda seria maior.
Manenico diz que todos se referiam a ele, o médico, e suas atitudes, no Posto de Ipameri, como um cascavel acuado, ao passo que, ao mesmo tempo, no Pronto-Socorro de Catalão, onde também clinicava, era um doce de pessoa. Dupla personalidade servindo a dois senhores?
Quando foi autorizado a trazer a família para Goiandira, Manenico desalojou de uma casa da Turma, outro nosso personagem, o Aristides, mais conhecido por Nova Aurora.
Seu Manenico, contando com a permissão de seus superiores, principalmente o maior deles, o Chefe de Estação local, Lázaro David, edificou uma casa na faixa de domínio da antiga estação, onde reside até os dias de hoje, inclusive sem o registro do imóvel, mas pagando em dia os impostos.
O Mestre-de-Obras dos pedreiros da época, Sr Antonio Souza, também colaborou com a empreitada, principalmente com restos de obras.
Muitos políticos, à caça incessante de votos, já bateram na porta de Manenico e prometeram a regularização do imóvel, o que deve ter rendido sonhos e desesperança à família.
Existe uma pergunta no ar a respeito do montante do Patrimônio da Rede e eu só posso afirmar que o maior patrimônio é o frágil ser humano que edificou este gigante esqueleto férreo, porém incompleto.
Nasce-me outra pergunta: - Existem mais heróis pra completar o serviço?