quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Aventura Ferroviária V


QUINTA ESTAÇÃO

Hoje nossa composição fez parada na Estação Lázaro Davi, em Goiandira.
Quase duas décadas de aposentado e é ainda um devoto de tal meio de transporte. Não acredita que a Rede Ferroviária retorne aos áureos tempos, mas refiz o brilho nos seus olhos com minhas boas expectativas!
Nossa produção se escoa através de biminhões e até triminhões ao passo que nossas estradas rodoviárias mal suportam carros de passeio. Tapar buracos é uma tarefa promissora na infinita contagem de votos ao passo que uma obra perene renderá lucros políticos em apenas um sufrágio eleitoral.
O sonho ferroviário é valido, pois além do transporte de produção há de se salientar o transporte de passageiros fluente e principalmente passeios turísticos. Eco-turismo equivale-se a um passeio no Paraíso.
A realização de trens-balas é uma resposta de “liberdade ainda que tardia” com inaugurações até mesmo antes da nossa Copa de Futebol ou mesmo da Olimpíada.
Infelizmente, porém, a mão-de-obra da operacionalidade será a mínima possível. A tecnologia de automação substituiu por demais as velhas turmas de trabalho.
Nos tempos da Rede Ferroviária Federal S/A, uma estação precisava de vinte e dois funcionários para por toda a máquina em movimento. Hoje a concessionária faz o mesmo trabalho com a metade da metade do pessoal. O lucro veio, mas o homem teve que multiplicar os braços e diminuir o bolso.
Não se deve deixar de enfatizar a importância das estações que deram origem a inúmeras localidades exatamente como os bandeirantes ao longo dos rios. As estradas de ferro, como os rios, proporcionam riquezas sem fim.
Seu Lázaro aposentou-se em 1991 com o equivalente a dez salários mínimos e, hoje, bi-safenado, com medicamentos de uso continuado no seu cardápio de cesta básica, malogra menos de três salários mínimos. Os ferroviários de seu tempo achavam que com a privatização fossem ganhar mais. Grande ilusão! Os que estão na Ativa além de trabalhar muito mais também foram maxi-desvalorizados em seus salários.
No princípio de suas atividades laboriais, como sapateiro, não havia outra perspectiva de emprego na região. Ainda assim, de maneira modesta, montou um armazém. Certa vez, atendendo ao Ferroviário Tõe Silva, invejou-lhe o salário e disse-lhe:
- Tõe, que maravilha este seu salário, pela metade dele eu abandonaria meu mercado. No comércio esgoto-me por demais e ainda tendo que aturar cachaceiros de toda espécie.
- Pois então te prepara porque vou te colocar num concurso onde vai ganhar tanto quanto eu.
Lázaro aceitou participar do Concurso com a promessa de que nunca se afastaria de Goiandira. Assim foi, pois Lázaro jamais se afastou das funções de Agente e Chefe de Estação no município. Foram trinta e dois anos de funcionário exemplar.
O armazém ele passou a um irmão... Que atura bêbados até os dias de hoje!
Lázaro nunca quis morar nas casas de vila da RFFSA e sempre cedeu aquela a que teria direito. Segundo ele, morar no trabalho é certeza de noites mal dormidas sem qualquer acréscimo nos vencimentos.
A União ainda pode contar com estas casas como patrimônio, mas nelas residem pessoas que, muitas vezes, nem sabe o que é ser ferroviário. Ao usuário destes imóveis a falta de direitos reais sobre tais moradias tornam o patrimônio cada vez mais dilapidado, pois ninguém reforma o que não lhe pertence, mas, com certeza destrói - o que é típico do espírito brasileiro.
Quando chefe de Estação, o Lázaro não virava uma chave de trilho e isso hoje é obrigação da função – eliminou-se consideravelmente o número de manobristas. Até maquinista sofre de solidão, pois trafega sozinho com a composição. Sua companhia, o ajudante, extinguiu-se como a máquina a vapor.
Uma serpente barulhenta, domada por um só humano, rompe no leito de sua bitola, dia e noite, com quase cem vagões de comprimento com carga superior a de duzentos biminhões, sem danificar a quase eterna estrada.
Noutros tempos os maquinistas apitavam cumprimentando a população. Havia uma interatividade e até apitos personalizados. Hoje não são cumprimentos, mas um feroz aviso mandando sair da frente!
O octogenário Lázaro Davi, segundo ele mesmo, não sabe fazer outra coisa a não ser o ofício ferroviário, mas levantei-lhe a hipótese de reatar velhas amizades do tempo de produção em busca de gargalhar e ter a certeza da missão comprida e bem cumprida.
Novas amizades também são possíveis, pois a mim ele demonstrou muita descontração, sinceridade, além de paz e bem. Isto colocado sem denotar qualquer interesse meu naquele café torrado, moído, coado e depositado numa xícara que foi duas vezes por mim preenchida.

1 comentários:

EFGoyaz disse...

Só para efeito de minúcias: a figura do manobrista (o ajudante/companheiro do maquinista) não foi extinta na mesma época em que se acabaram as locomotivas a vapor (década de 1960). Eles duraram até os primeiros tempos de privatização, em princípios do atual século. Claro que cada vez com piores condições de trabalho, conforme o Estado foi desmontando a empresa para que pudesse ser "gratuitamente vendida".

Postar um comentário