NOVO ENDEREÇO E VELHA FÓRMULA
Eu tive um amigo sem
igual. Deveria tê-lo observado mais, pois era digno de várias anotações que
serviriam de exemplos sem fim, mas a gente tinha que trabalhar...
A sua imagem pessoal
era inconfundível, típica de um italiano bonachão. Sua estatura era pouca, a
careca era notável e a barriga, avantajada, garantia-lhe o apelido de Bolinha.
Era dono de um bar
noturno onde, entre idas e vindas, devo ter trabalhado por uns três anos com
ele. Comecei trabalhando como faxineiro
e fui seguindo carreira promissora dentro do estabelecimento e tornei-me
balconista, garçon, pizzaiolo, cozinheiro... Ele reconhecia o valor de cada um.
Nosso salário era semanal e consegui até instituir uma folga semanal para os
funcionários, dada à importância que ele dava aos seus auxiliares, liderados
por mim. Minha ascensão no trabalho até deu motivos de ciúmes num outro
funcionário de mais de duas décadas, o Onofre, mas a família Lanches Corujão
seguia com sua função gastronômica social – última porta aberta a qualquer
desassossegado pela insônia.
A pizza era a mola
mestra do Bar do Bolinha, mas como o Sr Walter Sopranzetti durante o dia era
Secretário da Câmara Municipal, ele tinha dois pratos estupendos para seus
clientes mais refinados, pessoal este que não faltava por ali, figurões de todo
o topo da nossa direção municipal, inclusive, sua filha era afilhada de Osvaldo
Pierucetti, ex-prefeito de Belo Horizonte.
As duas iguarias
extras, servidas e preparadas sob o esmero do Bolinha eram o Filet à Parmegiana
e o Filet Alho e Óleo. Eu aprendi a fazer e, o parmegiana é um sucesso total
através dos tempos. Como o Professor Bolinha eu também o apronto só em ocasiões
muito especiais.
O Bolinha, ex-dono
de Papelaria, tinha uma caligrafia irretocável e, no trato com o preparo do filet
demonstrava todo o seu capricho. Era um ritual de precisão e, na limpeza da
carne, não acontecia nenhuma perda.
Uma de suas
histórias, ele era cheio de histórias, que não consigo esquecer é do seu tempo
de Livraria. Teve um vendedor que o procurou a manhã toda e não o encontrou. Aonde
chegava o Bolinha já tinha saído. Cansado teve que pegar um almoço numa pensão.
À mesa, nesta pensão, o vendedor teceu sua desventura, mais ou menos assim: “Eita
cidade difícil, todo mundo conhece este tal de Walter Sopranzetti como Bolinha
e eu não o encontro de jeito nenhum. Diacho, onde este miserável estará?” Todos
riram, pois ao lado deste vendedor estava à mesa, sorridente entre dentes, a
figurinha carimbada tão procurada. Que situação pra o vendedor!
O Bolinha tinha uma
Variant TL e, religiosamente, ele, antes do amanhecer do dia, levava-nos, seus
asseclas, em casa. Ele não buscava a gente, mas se algum faltasse ele ira
atrás, pois a equipe era toda necessária. Durante meu tempo de Soldado do
Exército, ganhando pouco, apesar de ser proibido ao recruta trabalhar fora do
Quartel, eu fazia uns bicos por lá.
Trabalhava na cozinha ou no forno e não me expunha. Era meu dinheiro de
sobrevida, pois o que ganhava como Conscrito só dava para pagar lavadeira e
cigarro.
Bolinha era um
notívago e, antes de qualquer negócio, o ex-bancário, conduzia o bar por puro
prazer, eu acho que às vezes dava prejuízo.
O Bolinha era grande
e o quadro dos frequentadores eram seletos, da mesma estirpe.
A Avenida Tiradentes
não será mais endereço desta tradicional pizzaria. O Waltinho, quase imagem e
semelhança do saudoso pai, muda-se, com o mesmo primor, para a esquina da Rua
da Glória com Amapá.
Vou lá matar a
saudade e comer bem. Vem.
2 comentários:
Aristeu....me emocionei. Muitas saudades. Éra isto mesmo, descreveu tal qual aconteceu, um resumo com o essencial.São tantas histórias, tantas passagens que daria para escrever um livro. Obrigado amigo, agradeço em nome de meus pais, que te admirava demais.
Aristeu, que crônica maravilhosa, papai deve estar feliz por ser lembrado com tanto carinho com voce. Obrigada, por ele e por nós que o amamos tanto. Beijos.
Maria Teresa
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