domingo, 14 de março de 2010
Aventura Ferroviária VIII
O HOMEM DE FERRO
Tenho cinco irmãos e três irmãs. Sou o sétimo filho na cronologia dos partos bem sucedidos. Meu irmão, imediatamente mais velho, o sexto no ranking dos sobreviventes, tem o nome de Eustáquio. Tem como eu, o nome do Santo do dia em que nasceu. No caso dele é o santo do dia 20 de setembro, um santo que foi sacrificado dentro de uma estátua de metal aquecida em brasas. Realmente um homem de ferro. Nossos nomes eram dados pelos padres quando nos batizavam.
Que santo qual nada, na família poderia ser chamado de Zeus Táquio, pois sempre fora o mais formoso, um metido deus grego no seu particular universo.
Apesar de apenas um par de anos nos separar a sua estatura sempre me deixou no chinelo. Nos tempos de criança parecia sempre mais rapagão se comparado à minha e demais figuras infantis em seu derredor. Eu além de ser o mais feio liderava o grupo dos fracotes.
Não tive muita amizade com ele, mas lembro-me dele ter me tirado de enrascadas juvenis com enfrentamento de outros garotos. Ele, assim como eu, desde tenra idade foi um grande batalhador, um incansável.
Lembro-me que ele era um bom aluno enquanto circulava pelo Grupo São Judas Tadeu, em Araguari. Quando foi para o Polivalente o sucesso nos estudos desandou, mas sempre foi inteligente, sem dúvidas. A necessidade de trabalhar deve ter sufocado o excelente aluno.
Entre 1978 e 1979 ele demonstrou toda a sua força nas fileiras do Exército. Assim que deu baixa do Batalhão Ferroviário adentrou, mediante concurso, à Polícia Militar. Durante um ano no policiamento ostensivo agradou aos seus comandantes sendo então transferido para a Polícia Florestal.
Até o ano de 1983 vasculhou matas e rios em busca e apreensão dos inimigos da natureza. Terra, água e ar foram seus elementos de vida.
Embora na graduação de soldado sempre desempenhou funções burocráticas acima de sua competência. Seu dinamismo enciumou seu superior imediato que, num primeiro vacilo, pediu sua remoção para a Capital Mineira.
O vacilo cometido foi não ter tido a coragem de recolher uma rede de um pescador de sustento próprio.
Apesar de estar inscrito no Curso de Sargentos da Polícia daquele ano ele, totalmente abatido e desmotivado, optou por ser agente de segurança da Rede Ferroviária, onde passara no Concurso com méritos, além de contar com vantagens pecuniárias e uma carreira mais estacionária.
Como agente de segurança ferroviária vistoriava estações, trens de passageiros que ainda existiam e os lacres das cargas. O tráfico de drogas era uma tônica também sobre os trilhos. Desvios de carga sempre foi uma rotina brasileira também.
No primeiro ano ficou destacado em Goiandira, onde, nas horas vagas atuava como porteiro de clube e segurança de festas.
Fez uma troca com um amigo e ficou o restante do tempo em Araguari sob o comando do Supervisor Oto, um grande pai e amigo merecedor de todas as honras possíveis.
Por um trecho ferroviário, não muito vasto, ficava até vinte dias em trabalho móvel contínuo, exercendo, nas suas limitações, o poder de polícia.
Para Eustáquio não existe paisagem mais exuberante que a existente aos olhos dum viajante de trem. Pena que as cargas não sabem o que são paisagens e o turismo férreo engatinha no mesmo lugar.
O pior trabalho que ele fez foi durante uma greve da categoria. Seus companheiros grevistas ameaçavam sabotar as linhas, principalmente para Brasília.
Os transportes cessaram, mas o envio de combustível para a capital federal tinha que prosseguir a qualquer custo.
No transporte de tal carga preciosa e explosiva, entre Araguari e Brasília, ele fez a escolta. Não era uma simples escolta, pois ele foi pendurado na frente da máquina com uma carabina na mão e na outra um farol em busca de alterações nos trilhos. Estar preparado para matar amigos é de um esforço sem tamanho.
Até hoje, vez por outra, ainda sonha com esta ação hercúlea onde tudo, Graças a Deus, terminou bem.
Segundo Eustáquio, o transporte ferroviário é tão rico que, somente uma boa varredura dos restos de grãos em vagões-containers, pode vir render trinta sacos de sementes ao dono da vassoura. Coisas que ele viu.
Em 1996, diante à iminente privatização da Rede, foi seduzido pelo PID – Programa Individual de Demissão – e acertou suas contas. No seu cálculo sonhador, a quantia de um vencimento por ano de serviço, promoveria sua independência financeira. Compraria uma Kombi e promoveria transporte e negociação entre os produtos do campo e a faminta zona urbana. Queijos endurecem, frutas estragam, verduras murcham e ovos quebram... Os planos foram por água abaixo, além do quê Kombi será sempre problemática.
Quis fugir à saga da família que é de sermos todos militares o tempo todo e seus olhos quase verdes não o ajudaram como comerciante.
Além da indenização havia a promessa de que todos eles seriam remanejados para outras empresas como seguranças, mas esta parte do acordo não foi cumprida.
Mesmo após cinco décadas de vida a sua força não abandonou seus braços. Tais apêndices permitem-lhe ainda trabalhar duro como pedreiro. Se seus sonhos ainda não foram realizados colabora então para com a plena realização dos sonhos de outros.
Seu amigo Paulinho, Paulo José de Oliveira, outro Polícia Ferroviária Federal também demissionário, ainda circula fardado. Prossegue numa eterna busca da realização da prescrição constitucional da categoria que é sua implementação e aumento de efetivo. Eles podem voltar à ativa ou então se tal for totalmente implantado o Paulinho poderá figurar como Presidente da Associação ou Sindicato da Categoria enquanto o Zeus do meu irmão fará parte do Conselho Deliberativo... Estas foram as últimas palavras de Paulinho na última visita feita. Eustáquio até assinou um livro em solidariedade ao trabalho fecundo e incansável do amigo. Ganhou inclusive um brasão, um verdadeiro distintivo de Xerife do condado – O homem de ferro!
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