quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Sexto Capítulo da Aventura Ferroviária


ESTAÇÃO MÓVEL PCZ

A cidade de Goiandira, centro inicial desta narrativa, foi um entrocamento importante do transporte ferroviário nacional. Era a conexão entre Ribeirão Preto e Belo Horizonte com destino a Goiânia.
Para que tudo funcionasse, principalmente a inexistência de acidentes fazia-se imprescindível uma malha de comunicação eficiente.
O STAFF gerava muita segurança. Tratava-se de um equipamento de destravamento da linha através de outra estação, ou seja, a estação de destino é quem liberava a vinda para a composição.
Neste contexto entra em cena o telelegrafista e também rádio-telegrafista Paulo Cezar da Silva, o PCZ. Todas as mensagens transmitidas ou retransmitidas por Paulinho eram autenticadas com esta sigla.
A diferença entre estas duas denominações da atividade do telégrafo, telegrafista e rádio-telegrafista, está apenas na emissão do som.
Antes de passar no Concurso de Telegrafista da Rede Ferroviária, Paulinho trabalhava com o pai em açougue, mas nas férias costumava ir para o “Corte 82”, próximo de Cumari, onde residia o Heleno Catuta, aquele do primeiro capítulo. Heleno era um parente, era um amigo, um conselheiro, um eterno padrinho, um brincalhão.
Paulinho aprendeu o ofício brincando com o mestre Heleno – a ciência do piripipi fora desvendada. Piripipi é o apelido para a telegrafia.
O salário da Rede devia ser baixo, pois o Heleno, com seu Fordinho 29, trazia lenha pra vender na cidade. O Ford não agüentava subir com a carga e eles, num trabalho braçal divertido, descarregavam a metade da carga, subiam o morro, descarregavam a outra metade lá no alto, desciam o morro e recarregavam a primeira metade abandonada, subiam o morro e completavam a carga. Repetiam a manobra na próxima subida, seguiam viagem e faziam história. Nesta ajuda constante Paulinho ganhou o terno apelido de “Peão” que ainda permanece com carinho.
Um fato de interessante nota é que Nativo, pai de Paulinho, o colocou mocinho para ajudar o Chefe de Estação Antonio Silva. Era um serviço gratuito de aprendizagem e consolidação dos conhecimentos, mas seu Nativo, muito sábio, pegava um pacote de dinheiro e dava, às escondidas, ao Chefe da Estação, para que servisse de pagamento ao próprio filho, um ato de incentivo. Quando o trem pagador chegava de Ibiá-MG o nome de Paulinho, em farsa, era soletrado e o mesmo assinava o recebimento do salário muito satisfeito com a recompensa.
Paulinho entrou na Polícia Militar do Estado como telegrafista, mas ficou pouco tempo como terceiro sargento – as injustiças o afastaram.
Trabalhou no Segundo Batalhão Ferroviário, em Goiandira, também como telegrafista.
Ao Batalhão Mauá abre-se um parêntese de colaboração desmedida e estupenda na renovação do traçado e modernidade da linha férrea.
Enfim, em 1969, aos vinte e um anos, Paulinho adentrou à Rede onde aposentou-se no ano de 1995. O bom matemático dirá que faltaram quatro anos para trinta, mas ao telegrafista a insalubridade se incorpora tempo adicional.
Nem todas as estações possuíam sala do telegrafista e Paulinho acabava executando outras funções.
Paulinho, como tantos que não agradam a todos, encontrou um desafeto superior. Havia uma implicância sem razão aparente. Este chefe sempre o transferia para lugares ermos e desprovidos de energia elétrica, o que era um transtorno devido à uma visão deficiente e ao seu populismo. Vez por outra, sem ter o que fazer, abandonava a solidão, mas o padrinho sempre encontrava o Peão e o recolocava no posto.
Na Estação do Veríssimo, certa vez, Paulinho promoveu um baile com alguns convivas e também um ilustre sanfoneiro. Ali o trem nem parava, mas teve um que deu problemas mecânicos bem no meio da festa. Um fiscal a bordo anotou a ocorrência. Na Estação de Ipameri despachou um telegrama pedindo trinta dias de gancho para o Paulinho, o que certamente ocasionaria até exclusão. O telegrafista Eurípedes Catuta, irmão do seu padrinho Heleno, teve que despachar o pedido, mas imediatamente comentou com o irmão, desta feita no cargo de supervisor.
Com o auxílio de Seu Nativo, Pai de Paulinho e masson, Heleno chegou ao gabinete do homem mais poderoso na Rede naquela época, o então Dr Guido Gontijo. Com poucas palavras sentenciou o afilhado.
Dr Guido, para atender aos subordinados participantes, deu vinte e nove dias de gancho e lotou Paulinho fora do alcance do algoz na localidade de Três Ranchos, mas com a promessa de devolvê-lo, em no máximo um ano, à sua querida Goiandira, o que aconteceu até um pouco antes.
PCZ hoje é um avô pescador e, vez por outra, convida o Eurípedes Catuta pra montar uma linha telegráfica numa escola da cidade, numa sala de aula qualquer e mostrar aos alunos a pré-história da Internet. Uma boa notícia, boas risadas, mas ninguém se interessa, pois os telegrafistas estão extintos, mas os padrinhos não.

1 comentários:

ANTONIO MARCOS DE PAULO disse...

Aristeu-Faz-Tudo... Num só texto, afloram o romancista, o historiador, o poeta...
Enquanto muitos contam a história da estrada de ferro, ele eterniza os personagens.
Eu quero, pelo menos, dois capítulos por dia...

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