sábado, 2 de janeiro de 2010

Morreu 2009.


Um testamento aberto

Eu, maior de dezesseis anos, e em meu perfeito juízo, graças à medicação psiquiátrica de uso continuado, declaro, a quem interessar possa alguns desejos meus finais, porém dinâmicos enquanto eu viver à deriva:

1) Deixo à Ciência da Medicina o usufruto do meu corpo cadavérico para que lucrem também com a minha falta de vida;

2) Aos psiquiatras, em particular, deixo minhas homenagens pela camisa-de-força, o tratamento de choque, o banimento do álcool e da falta de moderação da minha vida e, em conseqüência, muita da minha alegria;

3) Aos donos de bares que trabalhei um brinde aos dez por cento e aos donos de bares que freqüentei pleno gozo dos cem por cento;

4) Aos cães que me cercaram, muito obrigado por ensinar-me o amor a todos os animais e à natureza;

5) À bióloga e professora Tia Wal, deixo para cuidar, acumulativamente com o quinhão dela, meus 78.000 metros quadrados do Planeta. Conta esta feita a partir da área do Planeta pela população de 6,5 bilhões de habitantes irresponsáveis, com mares e águas doces inclusos;

6) Ao Bradesco “descompleto-lhe” um valor de cento e sessenta mil reais, caso minha morte seja natural. Fico na dúvida sobre bala perdida, pois se tornou algo muito natural nos embates bandido-policiais nossos de cada dia.

7) Ao povo brasileiro minhas desculpas por nunca ter conseguido votar bem, acho que falta de opção;

8) À Revista Veja, um spam que não consigo eliminar, continuo disponibilizando todas as minhas caixas de e-mails, pois a Editora Abril não desiste nunca de leitores, nem no além ela deixa de oferecer quatro edições grátis.

9) Aos escritores deposito todos os meus sonhos literários que nunca acordaram, mas, como insistente frasista, pelo menos exijo na minha campa ou lápide, como golpe de mestre, a inscrição eternizada: AQUI JAZ O AUTOR DESCONHECIDO.

10) O que sobrar é espólio aos jornalistas, pois só eles e meus filhos podem transformar em herói alguém que teve uma vida tão medíocre e covarde.

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