TRABALHO DIGNIFICA A CRIANÇA
AQUÉM DO HORIZONTE
Pra
quem mora no interior fica difícil perceber a divisão entre a zona rural e a
zona urbana. Ter como vizinhos alguns ruminantes ou relinchadores não é nenhuma
surpresa, se bem que alguns cidadãos, inconformados com o doce barulho do campo,
tem acionado o Ministério Público para que se retirem como despertador matinal
o mugido da simpática, nossa alimentadora, dona vaca. Apesar de terem afastado
os animais, que ainda moram por perto, o leite do carroceiro é buzinado na freguesia.
Apesar de barato, não tem preço.
Como
passeio sozinho, ou seja, com três caninos na coleira, procuro evitar ruas
tumultuadas e me arranjo pelos limites da pequena urbe. Passaredo faz-me
companhia também. Outro dia avistei um garoto moreno conversando com uma
moradora sobra a capina do seu quintal. Fiquei emocionado e lembrei-me do tempo
em, naquela idade, também carpia lotes, limpava jardim e trabalhava de boia-fria.
No
dia seguinte, um sábado, encontrei o mesmo garoto com uma vara de pescar e
algumas minhocas magras numa latinha. Puxei prosa:
_
E aí, pescador? Não vai capinar hoje?
_
Não. Final de semana eles não gostam que capina. Tem muitas visitas que não
podem ver de menor trabalhando. Tenho três lotes para a semana. Vou ali tirar
uns peixes e levar pra casa pra gente comer.
_
Uai, tem onde pescar por aqui?
_
Tem sim, é nas represas do Odemir, até um amiguinho meu morreu lá. Tá vendo
aquelas duas moitas de bambus? É lá, tem tilápia de palmo.
Então
eu adentrei com ele e meus cães num terreno alagadiço que nos sujou a todos. No
caminho descobri que o Adriano, nome do garoto de treze anos, filho do
conhecido Patrola, era o mesmo que, há pouco tempo, trabalhava na Padaria do
Juninho. Este garoto trabalhador ajudava internamente e, de bicicleta, ajudava
a entregar pedidos. Fofoqueiros de plantão, coisa típica do interior, talvez o
único mal, fizeram com que tal irregularidade chegasse à Promotoria. A mãe
contou à autoridade que a família era grande, carente e que a ajuda do menino
era fundamental. Também notificou que era um menino de boas notas escolares e
não era explorado. O promotor disse que faria ouvidos de mercador, mas se
chegasse alguma denúncia teria que tomar providências. O Conselho Tutelar não
fez vista grossa e, para muitos quis mostrar serviço, denunciou a situação. Nem
tico nem taco, pois o garoto, agora, de uma maneira mais penosa e arriscada,
continua ajudando na sobrevivência da família.
Ele me mostrou suas mãos muito calejadas e
perguntei-lhe porque não usava luvas. Disse que eram caras e que todo dinheiro
que levasse pra casa ainda era pouco. Então mandei que ele passasse na loja do
Gilberto e falasse com a Cárita, pois iria deixar pago um par de luvas.
Chega de
cachorrada, peguei os meus e me afastei vendo-o lançar o anzol. Como sou fraco,
mesmo autorizado não consigo fazer com que ele enchesse sete cestos.
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