sábado, 6 de fevereiro de 2010

Aventura Ferroviária VII


O Trem Assassino

Quando se trabalha coletivamente, principalmente com o gênero masculino, apelidos substituem o nome registrado em Cartório. No interior, então, o apelido é que dá aval de correspondência à pessoa, sendo possível, inclusive, que alguém jamais seja conhecido pelo nome verdadeiro.
Nosso personagem irrequieto do momento, Aristides Patrício de Oliveira, é conhecido por Nova Aurora, sua terra natal.
Este homem de ferro trabalhou inicialmente na “Vila Permanente”, uma empresa terceirizada que tinha contrato indeterminado como conservadora de linha junto à Rede Ferroviária Federal SA (RFFSA) – recordo de um amigo meu que traduzia assim: Roberto Foi “Faqueado” Sábado Atrasado.
No ano de 1970, porém, efetivou-se à Rede por meio de concurso para o cargo de Auxiliar de Manobra, tanto em Goiandira quanto em outras estações circunvizinhas.
No ano de 1975 foram elevadas suas responsabilidades como Manobreiro Especial. O Manobreiro tem como função formar as composições no pátio ferroviário e adjacências – engata, desengata e muda de linha.
No fim de 1980, por graça, camaradagem e benevolência, o Chefe de Estação Lázaro Davi, já mencionado em capitulo anterior, permitiu que ocupasse, como moradia, uma parte da Estação de Goiandira.
Por um período de quase doze anos trabalhou e acordava com o cantar do trem em movimento e frenagem.
Suas filhas relembram as dificuldades da infância. Os corações nostálgicos umedecem os olhos ao recordarem dos passageiros do Trem Misto que, pela janela, atiravam-lhes biscoitos, bolachas e outras iguarias. Naquela hora iam brincar de “cozinhadinho”, mas desta vez o “tomatinho de tapera” não seria o ingrediente principal.
De 1992 a 1993 mudou-se para outra casa, desta vez na Estação de Ferro Goyas.
Pôde então adquirir moradia pra onde se mudou e reside até os dias atuais perturbando a vizinhança. É um incansável inventor com atividades barulhentas na sua oficina de quintal nos dias úteis, feriados e dias santos – Fez-me, com total aprovação, uma raladeira de milho com motor de tanquinho de lavar roupa.
Aposentou-se com quase vinte e nove anos de serviço, em 1995, à época da privatização, quando, na realidade, bastavam apenas vinte e cinco anos de serviço. Ainda havia de se lhe somar o tempo de “penosidade”, acréscimo similar à insalubridade.
Existem aqueles que o chamam de bobo por ter trabalhado tempo a mais e, com disposição septuagenária verdadeira, afirma que saiu obrigado, pois trabalharia até morrer na ferrovia, caso deixassem e não tivesse ocorrido o fim da mesma.
Antes da Rede foi trabalhador rural e servente de pedreiro.
Como tantos, ele também aprisiona alguns passarinhos cantadores e desabafa-se com um papagaio falador, principalmente em dias de muito calor.
Lastima-se devido a Rede não ter tido órgão atuante na segurança e prevenção de acidentes, única falha administrativa talvez. Muitos colegas foram mutilados por falta de material.
Numa escala apertada, quase sempre 24x24, dia sim-dia não, em estações com pouca visibilidade, principalmente nas atividades noturnas, teve a seu turno quatro acidentes, sendo três fatais. Normalmente as vítimas eram pessoas bêbadas que ficavam caídas nos trilhos. Doía-lhe recolher corpos aos pedaços de pessoas conhecidas e de bem.
Além da dor de uma culpa inexistente ainda era convocado a comparecer em juízo sem acompanhamento de advogados e com a obrigação de inocentar a Rede de tais óbitos.
Fim da entrevista e, ainda sem mesmo ter alcançado o outro lado da rua, escutei o motor de esmerilhar sendo ligado e o papagaio pedindo sorvete.

2 comentários:

EFGoyaz disse...

Ótimo texto, pra variar. Permitem aos mais velhos reviverem importantes passagens da história e aos menos velhos, que tenham uma noção.
Só queria fazer um comentário à respeito da "Vila Permanente". Até onde eu sei, o que existia era a "Turma da Via Permanente", que eram funcionários da própria ferrovia que eram designados a fazer a manutenção dos trilhos, chamados de via permanente. Se alguém tiver mais versões, poste aqui.

EFGoyaz disse...

Aliás, acabo de ver um post do Latuff falando sobre os trabalhadores da Via Permanente: http://ferroviasdobrasil.blogspot.com/2010/01/homens-de-ferro-da-via-permanente.html

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